Elementos da Responsabilidade Civil por Dano Ambiental à Luz da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

  1. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

“A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana”.

O tema responsabilidade civil é amplamente estudado e discutido ao longo da história. A origem do instituto está calcada no Direito Romano na pena de Talião, que enunciava a ideia de vingança privada: “olho por olho dente por dente”, prevista na Lei das XII Tábuas.

A doutrina apresenta o conceito básico de responsabilidade civil como a obrigação imposta a alguém com o intuito de ressarcir prejuízos que causou a alguém seja em razão de sua atividade ou de sua conduta:

“Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro. Se alguém se compromete a prestar serviços profissionais a outrem, assume uma obrigação, um dever jurídico originário. Se não cumprir a obrigação (deixar de prestar os serviços), violará o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação. Em síntese, em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo.”

Segundo Venosa:

“O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso.

(…)

Os princípios da responsabilidade civil buscam restaurar um equilíbrio patrimonial e moral violado. Um prejuízo ou dano não reparado é um fator de inquietação social. Os ordenamentos contemporâneos buscam alargar cada vez mais o dever de indenizar, alcançando novos horizontes, a fim de que cada vez menos restem danos irressarcidos.”

Assim, a Responsabilidade Civil é a obrigação mediante a qual, o infrator, que feriu interesses coletivos ou individuais, é responsabilizado a restituir ou indenizar qualquer perda ou dano que for causado indevidamente a terceiro como consequência do seu ato lesivo, seja de ação ou omissão.

No direito pátrio a Responsabilidade Civil se divide em objetiva e subjetiva. A responsabilidade subjetiva consiste, basicamente, na responsabilização após a análise do elemento dolo/culpa sendo esta definida especialmente nos artigos 186, 187 do Código Civil, in verbis:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

De acordo com a doutrina,

“A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar, fundamentalmente, na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o prejuízo sofrido pela vítima. Assim procedendo, não considera apto a gerar o efeito ressarcitório um fato humano qualquer. Somente será gerador daquele efeito uma determinada conduta que a ordem jurídica reveste de certos requisitos ou de certas características.

[…] Assim considerando, a teoria da responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a sua culpa, abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente.”

A responsabilidade objetiva é exceção no ordenamento jurídico ante a ausência de análise do dolo e da culpa e tem previsão no art. 927, parágrafo único, além dos artigos 931, 932 e 933 do Código Civil, existindo outros diversos diplomas legais que trazem também a previsão da responsabilidade sem culpa. 

Art. 927. […] Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

No que tange a matéria ambiental, o art. 14, § 1° da Lei 6938/81 dispõe que:

“Art 14 – […] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”

É crescente a atenção dada mundialmente às questões ambientais e a nossa Carta Magna de 1988 dedicou um capítulo específico para dispor sobre o tema, estabelecendo os princípios diretores do direito ambiental e prevendo que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo, vejamos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Destaca-se que a Constituição não faz referência à exigência de culpa para gerar o dever de reparação. Nas palavras do professor e doutrinador Paulo Affonso Leme Machado:

 “A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e, ou, reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade”.

Dessa forma, tem-se que para o nosso arcabouço jurídico a responsabilidade civil ambiental é objetiva, o que resulta no dever de reparar independentemente de o dano causado ter-se dado em decorrência de ato ilícito ou não, não incidindo, nessa situação, em princípio, nenhuma excludente de responsabilidade. 

Com a comprovação do dano e a existência de nexo causal nasce a obrigatoriedade de reparação do prejuízo gerado ao meio ambiente, sendo dever do culpado reconduzi-lo o mais próximo possível a seu status quo ou, quando isso não for possível, subsidiariamente, a condenação pode ser no sentido de compensação monetária.

  1. TEORIA DO RISCO INTEGRAL

A Teoria do Risco Integral, espécie de responsabilidade objetiva, impõe a quem causar dano responsabilidade objetiva integral. Seguindo a teoria do risco integral, o infrator deve ressarcir o dano que causou, independente de culpa, pelo fato de estar previsto em lei. Não há interpelação no tocante a conduta do causador do dano, materializando o elemento objetivo, ou seja, a relação de nexo causal entre o dano e a conduta. Nesse sentido:

“[…] No tocante ao Brasil, a responsabilidade objetiva independe de culpa e é fundada na teoria do risco, em uma de suas modalidades, sendo as principais:

Teoria do risco administrativo: adotada nos casos de responsabilidade objetiva do Estado, que ainda será estudada (art. 37, § 6.º, da CF/1988).

Teoria do risco criado: está presente nos casos em que o agente cria o risco, decorrente de outra pessoa ou de uma coisa. Cite-se a previsão do art. 938 do CC, que trata da responsabilidade do ocupante do prédio pelas coisas que dele caírem ou forem lançadas (defenestramento).

Teoria do risco da atividade (ou risco profissional): quando a atividade desempenhada cria riscos a terceiros, aos direitos de outrem, nos moldes do que consta da segunda parte do art. 927, parágrafo único, do CC.

Teoria do risco-proveito: é adotada nas situações em que o risco decorre de uma atividade lucrativa, ou seja, o agente retira um proveito do risco criado, como nos casos envolvendo os riscos de um produto, relacionados com a responsabilidade objetiva decorrente do Código de Defesa do Consumidor. Dentro da ideia de risco-proveito estão os riscos de desenvolvimento. Exemplificando, deve uma empresa farmacêutica responder por um novo produto que coloca no mercado ou que ainda esteja em fase de testes.

Teoria do risco integral: nessa hipótese não há excludente de nexo de causalidade ou responsabilidade civil a ser alegada, como nos casos de danos ambientais, segundo os autores ambientalistas (art. 14, § 1.º, da Lei 6.938/1981). No caso de dano ambiental causado pelo Estado, aplicar-se-ia essa teoria para essa parcela da doutrina e da jurisprudência. […]” (grifou-se)

A teoria do risco integral, portanto, constitui exceção aplicável à responsabilidade civil por dano ambiental. Sua principal faceta é o dever de indenizar independente do elemento subjetivo e do nexo causal. Neste sentido:

“[…] A doutrina refere-se também à teoria do risco integral, modalidade extremada que justifica o dever de indenizar até mesmo quando não existe nexo causal. O dever de indenizar estará presente tão só perante o dano, ainda que com culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior. Trata-se de modalidade que não resiste a maiores investigações, embora seja defendida excepcionalmente para determinadas situações.[…]”

Conforme acima afirmado, no tocante ao direito ambiental, de acordo com o Constituição Federal, artigo 225, § 3º, os poluidores, pessoas físicas ou jurídicas, estão suscetíveis às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Tamanha a rigorosidade da teoria que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aplica em alguns casos a condenação à obrigação de fazer e não fazer juntamente com a obrigação de indenizar.

Nos termos da Súmula 629 do Superior Tribunal de Justiça, o poluidor poderá ser condenado à obrigação de fazer e/ou de não fazer, bem como a de indenizar por eventual dano moral ecológico, verbis: Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar.”

A Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça que prevê que um mesmo fato poderá gerar reparação material e moral: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”

No que tange a à dupla reparação, já decidiu o Tribunal da Cidadania que: 

“[…] a cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa” […] (STJ, REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/09/2012)

No mesmo sentido o Tribunal se manifestou em recurso especial representativo de controvérsia sobre o tema:

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM. […] TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado. 2. No caso concreto, recurso especial a que se nega provimento.”

Destaca-se ainda que a responsabilidade civil ambiental segue o bem, de maneira que quem adquire o bem, mesmo sem ter cometido o dano ambiental, assume a obrigação de repará-lo. Assim estabelece o § 2° do art. 2° da Lei 12.651/12: 

Art. 2º […] § 2º As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.”

Sendo assim, a responsabilidade por danos ambientais, além de imprescritível, transfere-se ao sucessor, ratificando o intuito de buscar a indenização pelo dano ocasionado, nos termos da teoria do risco integral.

  1. FORMAS DE CARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Por um determinado momento da história, em especial ao longo das décadas de 70 e 80, a responsabilidade civil por danos ambientais foi um pouco desprezada acadêmica e legislativamente. Até se amadurecer o conceito de que a degradação ao meio ambiente é uma espécie de dano, ainda que não suportado individualmente, e, por tal razão, deve ser responsabilizado seguindo a lógica consagrada pelo Direito Civil.

Com a ênfase da necessidade de preservação ambiental e amadurecimento dos direitos de terceira dimensão, observou-se uma ênfase no ressurgimento da responsabilidade civil como ingerência à proteção ambiental. 

Observa-se uma evolutiva intervenção do direito privado no combate ao dano ambiental, particularmente utilizando-se da responsabilidade civil. Tal evolução possui uma linha diferenciada no referido instituto que, tradicionalmente, salvaguarda as relações indivíduo-indivíduo, e o dano ambiental, por suas particularidades, não costuma produzir vítimas de maneira individualizada. 

A responsabilidade civil passa a tutelar, então, a relação homem-natureza, protegendo direitos coletivos. Para tanto, a caracterização da responsabilidade civil haveria de ser modificada em seus aspectos, já que, na maioria dos casos, seria impossível individualizar a conduta e o dano sofrido, elementos indispensáveis à responsabilização – salvo exceções, conforme já afirmado alhures.

E, em razão das especificidades inerentes ao dano ambiental que a responsabilidade civil neste aspecto teve que tomar outros contornos para caracterização. De acordo com a doutrina,

A responsabilidade civil apresenta um papel sempre relevante no estímulo a determinados comportamentos sociais, estimulando ou inibindo determinados padrões comportamentais. Contudo, ao mesmo tempo que se destaca a sua relevância, não há como negar as limitações apresentadas pelo sistema da responsabilidade civil, quer em sua função de prevenção e mesmo, especificamente, para compensação em danos catastróficos. Estas dificuldades decorrem do fato dos efeitos dos danos catastróficos serem geralmente dispersados sobre uma grande quantidade de pessoas, dificultando às vítimas ajuizarem demandas individualmente. A coleta de provas a respeito dos feixes constitutivos do nexo causal é também um aspecto limitativo. Finalmente, a probabilidade de condenação pode ser pequena face às dificuldades de encontrar e condenar o responsável, em razão da necessidade de demonstração dos elementos constitutivos da responsabilidade civil.

Surge, então, uma responsabilidade civil particularizada, rigorosa em relação ao praticante da conduta e preocupada com a tutela do bem jurídico, voltada à proteção dos direitos fundamentais consagrados na lei magna, ao passo que o art. 225 da Constituição Federal prevê o meio ambiente equilibrado como “essencial à qualidade de vida”.

Os princípios da precaução o e da prevenção são norteadores do direito ambiental e da responsabilidade civil do risco integral adotada no ordenamento brasileiro, ao passo que atuam na antecipação e prevenção do dano ambiental. 

“A aplicação do princípio da precaução relaciona-se intensamente com a avaliação prévia das atividades humanas. O “Estudo Prévio de Impacto Ambiental” insere na sua metodologia a prevenção e a precaução da degradação ambiental. Diagnosticado o risco, pondera-se sobre os meios de evitar o prejuízo. Aí entra o exame da oportunidade do emprego dos meios de prevenção..

Ademais, o Tribunal referendou o entendimento de que “o princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva.”

E com base nessas premissas que a jurisprudência consagrou o entendimento do risco integral na responsabilidade civil por danos ambientais, fazendo com que não haja análise do elemento subjetivo na caracterização, bastando, para tanto, a presença do “dano, vinculado a um fato qualquer, para assegurar à vítima uma indenização”, vejamos:

[…]responsabilidade objetiva da teoria do risco integral, não há sequer necessidade de se cogitar acerca da possibilidade ou não do cumprimento de um dever jurídico ou se o risco se encontra ou não dentro da esfera de previsibilidade e evitabilidade do gestor de uma atividade (fortuito interno ou externo), pois, para a imputação do dever de indenizar, “qualquer fato, culposo ou não culposo, deve impor ao agente a reparação desde que cause um dano”, ou seja, “não [se] cogita de indagar como ou porque ocorreu o dano [sendo] suficiente apurar se houve o dano, vinculado a um fato qualquer, para assegurar à vítima uma indenização.

[…]os danos ambientais são regidos pela teoria do risco integral, colocando-se aquele que explora a atividade econômica na posição de garantidor da preservação ambiental, sendo sempre considerado responsável pelos danos vinculados à atividade, descabendo questionar sobre a exclusão da responsabilidade pelo suposto rompimento do nexo causal (fato exclusivo de terceiro ou força maior).” 

E, sobre a prova do nexo de causalidade, já decidiu o Tribunal da Cidadania sobre a averiguação da cadeia de responsabilidade, em que não apenas os supostos responsável pela conduta experimenta as consequências, mas todas as demais pessoas envolvidas direta ou indiretamente:

“[…] para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem. […]

Portanto, tem-se que a responsabilidade civil por dano ambiental no ordenamento brasileiro, ratificada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, caracteriza-se pela teoria do risco integral, bastando, para tanto, a ocorrência do dano, ligada a qualquer fato, possibilitando a indenização. 

  1. POSSIBILIDADE DE DESCARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL NO RESP 1.612.887 – PR

O RESP 1.612.887 – PR, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, informativo 671 do STJ, abordou com profundidade a teoria do risco integral e as nuances, que serão objeto de estudo deste tópico.

De início, mister ratificar a diferença entre a responsabilidade civil subjetiva, objetiva e a teoria do risco integral, à luz do acórdão paradigma. A primeira, base do direito civil e norteadora das relações indivíduo-indivíduo, tem como elementos a conduta (com análise do elemento subjetivo – dolo ou culpa) resultado e nexo de causalidade. Este último, pode ser afastado por causas de afastamento do nexo causal, entre elas o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior. 

[…] Com efeito, na responsabilidade subjetiva, as causas de rompimento do nexo causal foram classificadas como “casos de impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação não imputáveis ao devedor” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 82), porquanto representam circunstâncias que não se relacionam à culpa do suposto responsável e que o teriam impedido de cumprir a obrigação a que estava vinculado. 

[…]

Para que produza esse efeito, contudo, o ato de terceiro deve ser a “determinante exclusiva do resultado danoso”, pois “somente então estará eliminado o vínculo de causalidade entre o dano e a conduta do indigitado autor do dano” (PEREIRA, Caio Mário da Silva; TEPEDINO, Gustavo. Responsabilidade Civil. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 359-360). […]

Isto é, há a possibilidade de eximir o sujeito da responsabilidade quando existente causa exterior capaz de afastar o nexo de causalidade na responsabilidade subjetiva. Já na responsabilidade objetiva, caracterizada pela desnecessidade de aferição do dolo ou culpa, permite-se, em alguns casos o afastamento do nexo de causalidade sob a ótica do fortuito interno e externo, o que não se aplica à teoria do risco integral.

A exoneração da responsabilidade pela interrupção do nexo causal é admitida na responsabilidade subjetiva e em algumas teorias do risco, que regem a responsabilidade objetiva – nas quais a questão é averiguada à luz das figuras do fortuito interno ou externo –, mas não pode ser alegada quando se tratar de dano subordinado à teoria do risco integral.

Ainda, no referido julgamento, a relatora afirmou que “a teoria do risco integral é, de fato, mais rígida na imputação da responsabilidade, impondo uma inflexível estrutura da atribuição do dever de indenizar com o objetivo de assegurar a reparação do dano.” Salientou, inclusive, que para alguns adeptos da referida teoria o nexo de causalidade seria dispensável, ao passo que o dever de indenizar atribui-se meramente em razão do dano.

[…] De fato, segundo esclarece a doutrina, “os adeptos da teoria do risco integral entendem que este pressuposto [o nexo causal] é dispensável, posto que [sic] o dever de indenizar se faz presente tão-só em face do dano, não importando se há ou não nexo causal entre a conduta e o dano” (MUNIZ, Luciana Rocha Melo. A responsabilidade objetiva no código civil. Revista da Esmese, Aracaju, n. 11, p. 29-71, 2008. Disponível em: <http://www.esmese.coom.br/revistas.html>. Acesso em: 12 jun. 2009)

Assim, de acordo com o entendimento perpetuado no julgamento, não há como arguir causa excludente de responsabilidade na hipótese de dano ambiental sob a ótica do princípio do poluidor-pagador, em que os custos de eventuais danos ambientais se presumem inseridos no exercício da própria atividade.

Com efeito, referida teoria “se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g. o custo resultante dos danos ambientais) devem ser internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos de produção e, consequentemente, assumi-los” (MILARÉ, Édis. Princípios fundamentais do Direito do Ambiente. Justitia, São Paulo, v. 59, n. 181/184, p. 134-151, jan./dez. 1998.) 

Posicionando-se a doutrina e o Superior Tribunal de Justiça sobre a impossibilidade de arguir causas excludentes de responsabilidade no âmbito do dano ambiental. No entanto, isso não impede que outros elementos extrínsecos à responsabilização sejam juridicamente discutidos, a exemplo da prescrição e elementos de validade no auto de infração ambiental. 

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental. Revista de Direito Ambiental, RDA 9/5 jan-mar 1988.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em 26/04/2021

BRASIL, Palácio do Planalto. Lei 6938/81. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em 30/04/21.

BRASIL, Palácio do Planalto. Lei 10.406/2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 30/04/21.

BRASIL, Palácio do Planalto. Lei 12.651/12. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm. Acesso em 30/04/21.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 206748/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 27/02/2013.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 1612887/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 07/05/2020.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 650.728/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJe 02/12/2009

CARVALHO, Délton Winter de. Desastres ambientais e sua regulação jurídica: deveres de prevenção, resposta e compensação ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

C.F.S. Programa de Responsabilidade Civil. Grupo GEN, 2020. 9788597025422. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597025422/. Acesso em: 25 Apr 2021

Flávio, T. Direito Civil – Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil – Vol. 2. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2020. 9788530989323. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989323/. Acesso em: 30 Apr 2021.

Franco, D. M. Responsabilidade legal pelo dano ambiental: a aplicação das excludentes de responsabilidade. Editora Blucher, 2017. 9788580392968. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788580392968/. Acesso em: 30 Apr 2021

LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro, 21ª. Ed. São Paulo. Editora Malheiros, 2013

Pablo, S.; FILHO, R.P. NOVO CURSO DE DIREITO CIVIL 3 – RESPONSABILIDADE CIVIL. Editora Saraiva, 2021. 9786555593624. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555593624/. Acesso em: 25 Apr 2021

SILVA, P.C.M. D. Responsabilidade Civil, 12ª edição. Grupo GEN, 2018. 9788530980320. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530980320/. Acesso em: 30 Apr 2021.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7.ed. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007.p. 114

V.S.D.S. Direito Civil – Obrigações e Responsabilidade Civil – Vol. 2. Grupo GEN, 2021. 9788597026696. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597026696/. Acesso em: 30 Apr 2021

Compartilhe

  • Advogada, sócia fundadora do escritório Domenico Advogados, Especialista em Direito Público e Eleitoral, atua principalmente nas áreas de Direito Tributário, Empresarial e Agronegócio.
  • Presidente do Instituto dos Advogados do Distrito Federal – IADF (2023-2026).
  • Diretora da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil – FENIA (2024).
  • Vice-Presidente do Instituto Justiça, Paz e Felicidade.
  • Coautora do livro Questões Tributárias, Empresariais e Contemporâneas do Direito.
  • Autora do Livro Cultura Organizacional e Compliance (aguardando publicação).
  • Professional Executive e Leader Coach – IAC e EMECC.
  • MBA em Gestão Empresarial – FESPSP.
  • Cidadã Italiana
  • Advogado, sócio fundador do escritório Domenico Advogados, com atuação nos Tribunais Superiores há mais de 20 anos; Doutor e Mestre em Direito Constitucional, Especialista em Direito Público e Eleitoral, atua principalmente nas áreas de Direito Tributário, Empresarial e Agronegócio.
  • Desembargador Eleitoral – Tribunal Regional Eleitoral – TRE/DF (2017/2019);
  • Juiz da Propaganda – Tribunal Regional Eleitoral – TRE/DF (Eleições Gerais – 2018);
  • Juiz de Paz (2023 até hoje);
  • Presidente do Fórum Justiça, Paz e Felicidade – JPF;
  • Diretor da Associação Nacional dos Magistrados Evangélicos – ANAMEL;
  • Diretor do Instituto dos Juízes de Paz (iJUPAZ);
  • Diretor, por três mandatos, do Instituto dos Advogados do DF – IADF;
  • Membro do Colégio Permanente de Juristas Eleitorais – COPEJE;
  • Membro da Associação Nacional de Escritores – ANE;
  • Membro da Comunidade das Nações.
  • Conselheiro Seccional, por dois mandatos da OAB/DF e Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos;
  • Autor das obras jurídico literárias: Decisões Eleitorais; Propaganda Eleitoral: a Dimensão da Liberdade de Expressão; e Justiça, Paz e Felicidade: O Poder das Virtudes;
  • Coautor: Revista de Jurisprudência do Colégio Permanente de Juristas da Justiça Eleitoral – COPEJE – 1ª Edição; Biografias 2022 – ANAMEL; Revista do Instituto dos Advogados do Distrito Federal – 4ª e 5ª Edição; Questões Tributárias, Empresariais e Contemporâneas do Direito.
  • Cidadão honorário de Brasília/DF, Cidadão Honorário de Primavera do Leste/MT e Cidadão Italiano.